A grande amiga do Brasil
'Além de não ter inimigos, o Brasil tem uma grande amiga: a paz, que terá com o Brasil de Lula um dedicado aliado', diz o colunista Marcelo Zero
Por Marcelo Zero
A paz é fundamental para o presente e o futuro do Brasil.
No plano interno, se impõe a pacificação do país, para conter os conflitos gerados por uma turba fascistóide e golpista, insuflada pelo próprio Bolsonaro, que se recusou a reconhecer explicitamente a vitória incontestável de Lula.
Esse segmento extremado, composto essencialmente por vivandeiras acampadas em frente a quarteis e por alguns militares que teimam em desconhecer seu papel constitucional, continua a brandir, nessa espécie de hospício político, seus delírios antidemocráticos e conspiratórios.
Distante anos-luz das “quatro linhas da Constituição”, tal grupo, apoiado financeiramente por empresários inescrupulosos e delinquentes, continua mobilizado para demandar intervenção militar e impedir a posse do presidente legitimamente eleito.
Embora a probabilidade imediata de um golpe de qualquer tipo seja remota, pois não há condições internas e externas para o sucesso de uma aventura autoritária, esse segmento extremamente radicalizado da vida política do Brasil representa séria ameaça ao bom funcionamento das instituições democráticas e à governabilidade do futuro governo.
Por conseguinte, representa também ameaça inaceitável à superação da grave crise econômica, social e política do Brasil.
O principal problema do país é político; não é econômico.
É óbvio que Lula herda de Bolsonaro um país totalmente quebrado, uma terra arrasada em todas as áreas, como a equipe de transição vem demonstrando.
Contudo, é também certo que, num ambiente interno pacificado e de sólida governabilidade, esses graves problemas são superáveis, desde que o Brasil abandone medidas ultraortodoxas irracionais e contraproducentes, como a do inflexível e draconiano teto de gastos.
Por outro lado, sem a pacificação interna e sem uma governabilidade consistente, será impossível que o Brasil saia da crise. Ao contrário, ela se agravaria sobremaneira, com consequências nefastas.
Tal como aconteceu no segundo governo de Dilma Rousseff, a crise política seria determinante para o agravamento da crise econômica e social. Como se passou naqueles idos, a crise muito agravada pela aposta irresponsável na ingovernabilidade poderia desembocar em um novo golpe, desta vez mais radical e profundo.
Na realidade, o Brasil precisa, além da “PEC da Transição”, de uma “PEC da democracia”, ou seja, de um amplo pacto pela governabilidade democrática.
Mas a paz não é importante para o país somente no plano interno. Ela é essencial também no plano externo.
Dificilmente o Brasil e o planeta poderão superar seus graves problemas comuns, no quadro de uma ordem internacional marcada por conflitos geopolíticos e geoeconômicos suscitados por uma anacrônica Guerra Fria.
Com efeito, um dos principais obstáculos à superação dos complexos problemas mundiais, como o aquecimento global, a fome, os gargalos energéticos, as desigualdades, a pobreza etc., reside na política externa confrontacionista praticada pelos EUA e alguns aliados.
Tal política, que inutilmente se destina a conter a inexorável ascensão econômica e/ou política de países considerados rivais e “autocráticos” pelos EUA, como China e Rússia, vem contribuindo, de modo significativo, para ampliar e aprofundar a crise provocada inicialmente pela pandemia.
De fato, a guerra na Ucrânia e as sanções a ela associadas, faces mais dramáticas dessa política, vêm causando prejuízos sensíveis à economia mundial, conforme demonstrou o recente estudo da OCDE, intitulado Paying The Price of War.
A Europa, em particular, está pagando um preço extorsivo para se alinhar com as sanções determinadas pelos EUA. Segundo Tanja Gönner, CEO da Federação Alemã de Indústrias (BDI), uma em cada quatro empresas alemãs planeja sair no território da Alemanha, em razão dos atuais custos proibitivos da energia.
Talvez tenha sido por isso que Biden, após o recente encontro com Macron, admitiu a possibilidade de conversar com Putin, se a OTAN também concordar.
Em prazo mais longo, no entanto, os pobres do planeta pagarão o preço mais caro. Já temos 900 milhões de pessoas passando fome no mundo, número que, segundo a FAO, poderá ser consideravelmente ampliado, caso a situação criada pela guerra e pelas sanções permaneça.
Enquanto isso, os EUA gastam U$ 6,8 bilhões por mês em ajuda à Ucrânia, sendo que a maior parte é em armas, as quais contribuem para prolongar, ampliar e agravar o conflito. Não há investimentos na paz.
Face a esse quadro, que poderia facilmente se agravar e gerar uma guerra mundial nuclearizada, o presidente Lula, em seu histórico discurso na COP 27, deixou bem claro que o Brasil, a partir de agora, procurará contribuir para a construção de “uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade.”
Investir numa ordem mundial desse tipo significa investir na democracia em plano internacional, o que demandará nova governança global e a reformulação do anacrônico Conselho de Segurança da ONU. Significa, sobretudo, criar as condições político-diplomáticas para que os problemas planetários possam ser solucionados, num ambiente cooperativo e simétrico.
Assim, o grande conflito geopolítico, que antepõe os EUA e aliados, de um lado, e China, Rússia, de outro, não é nem do interesse do Brasil, nem do planeta. A lógica arcaica e esterilizante que anima esse conflito cria um jogo de soma negativa. Todo o mundo perde.
Nosso país não pode continuar a subsumir sua política externa numa belicosa lógica de Guerra Fria, na qual fica-se obrigado a “escolher um dos lados”, como fez Bolsonaro, com resultados desastrosos para o país. Nessa lógica estreita e míope, perde-se de vista o interesse nacional. O Brasil não deve se alinhar acriticamente com nenhuma potência estrangeira. O Brasil tem de se alinhar com seus próprios interesses.
O Brasil não tem países inimigos. Os “inimigos” do país são o aquecimento global, a fome, a pobreza, as desigualdades, o racismo, a misoginia, a homofobia, o autoritarismo, a guerra etc. Devemos cooperar com todos os países para derrotar esses inimigos.
Além de não ter inimigos, o Brasil tem uma grande amiga: a paz. E a paz, por sua vez, terá com o Brasil de Lula um dedicado aliado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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